'CROSS TRACKS

Tem a corrida, e depois tem o que confere à corrida a sua personalidade. Venha conosco para uma prévia diferente das pistas da UCI World Cup, desde os campos espirituosos nos Estados Unidos às consagradas pistas de ciclocross da Bélgica e Europa afora.

'CROSS TRACKS

Tem a corrida, e depois tem o que confere à corrida a sua personalidade. Venha conosco para uma prévia diferente das pistas da UCI World Cup, desde os campos espirituosos nos Estados Unidos às consagradas pistas de ciclocross da Bélgica e Europa afora.

Hora de Detonar

Está na hora. Na hora para todos se ajuntarem. É hora de colher os frutos de todos aqueles meses indo para corridas e aguentando implacáveis desafios na areia, terra ou barro. No relógio acima de você, os dígitos viram inexoravelmente, mostrando a hora da partida se aproximando. A voz do locutor se torna um chiado abafado na sua cabeça, lhe aproximando daquilo que você espera seja o seu destino—Campeão Nacional—e não aquela vala destruidora de rodas lá na pista.


Enquanto aguarda na linha de partida, você sacode as pernas para aquecê-las, respirando lenta e espaçadamente. Seja você Master, Junior, ou Elite—nas Nationals, o tempo traz o mesmo nervosismo. Tem o “antes”—esperando a contagem regressiva do relógio para que a horda seja liberada—e o “depois”—quando você será ou não o Campeão Nacional da USA Cyclocross. E, é claro, tem o “meio”. Neste período, você espera que o relógio literalmente pare para os demais, dando-lhe tempo para saltar aquela vala mencionada acima com facilidade, limpando seus sonhos despedaçados de seus dentes com os raios quebrados das bikes de seus rivais.


Chegou a hora de novo. Tempo de detonar. Há uma sensação de energia nervosa, e BOOM—lá se vão. Cada rosto conta a mesma história. “Esta é a MINHA hora!” Mas só uma será correta.


O pêndulo balança.

Está na hora. A torcida West Coast Insane Fan Posse também respira lenta e pausadamente, preparando-se para gritar em apoio aos ciclistas ‘cross maníacos. Batendo seus ruidosos sinos vermelhos e com seus gorros Big Red S espalhafatosos, a turba leva esta peregrinação de Morgan Hill, Califórnia a Reno, Nevada muito a sério. O alvo? Serem os Biggest Little Stokers do mundo, porque esta á sua hora também. Estão mais do que preparados para baterem seus sinos incessantemente, para atazanar e festejar sem parar, e aumentar o volume do som tão alto que vai trovejar Sierra Nevadas acima como um bola enorme de “YEW!”


É como se tivessem esperado a semana inteira por esse momento, perambulando por esta cidade estranha ao som do BEEP-BOOP-BLING dos caça-níqueis e moedas chacoalhando nos bolsos. Havia uma expectativa crescente para este evento, e agora, a hora realmente chegou. Pra valer. Tempo de fazer valer todas as horas gastas treinando no Seminário da Importunação. Hora de todos os rostos embaixo dos gorros Specialized grátis emitir sons parecidos com “Up! Up! Up!” e “Detona!” Hora de escalar o Morro da Importunação, pegar o megafone e berrar uma frase engraçada impregnada de cerveja na cara de alguém que mal consegue respirar no ar rarefeito da montanha. É hora do show.


O pêndulo balança.

É hora dos resultados. Precipitando-se rumo à linha de chegada, com um sorriso largo e braços erguidos ao céu, um bandido do tempo arrebata a recompensa. Chuva de confete. A bandeira tremula e a glória de vencer a Nationals arde e fervilha com uma aura que só pode ser classificada como: Vermelho, Branco e Azul. Mas há outras cores no horizonte também. Um arco íris paira na distância. Será que há algo no fim dele para este ciclista? Reno, agora. Ou talvez a próxima será Worlds?


Só resta esperar agora. Mas se há uma certeza nas UCI Cyclocross World Championships em Valkenburg, não será apenas hora de detonar—é hora de detonar pra matar.


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UCI Worlds acontecerão de 3-4 de fevereiro, 2018

KOKSIJDE, BELGIUM

O Povo da Areia

EU NÃO GOSTO DE AREIA. É GROSSA E ÁSPERA E IRRITANTE, E SE ESPALHA POR TODOS OS LUGARES. AQUI NÃO. AQUI TUDO É MACIO E LISO.
Anakin Skywalker, famoso inimigo da areia.

Há muita areia em Koksijde, e embora areia seja bem macia para aterrissagens, é longe de ser lisa. Como um importunador em um show de comédia, é áspera, grossa e insensatamente escarnecedora. Demonstra seus desprezo de suas habilidades ciclísticas agarrando repetidamente a sua roda dianteira e lhe atirando ao chão—ou pelo menos lhe forçando a descer da bike e carregá-la vergonhosamente nos ombros, com passos pesados. Há dunas e mais dunas de areia nesta pequena cidade litorânea. Como bolhas na superfície de uma sopa espessa, estas dunas se espalham pela paisagem até as instalações de uma base aérea militar raramente sada, mais ou menos a um quilômetro do oceano turbulento.


Koksijde é basicamente uma corrida ciclocross em uma fossa de areia. O jovem Darth Vader, com certeza, detestaria. 

Os sons guturais do locutor belga, entrecortados pelo vento, se arrastam através das dunas. As palavras vêm e vão, neste ambiente com bandeiras nacionais, casacos estufados e uma multidão ansiosa. Com gorros na cabeça e bochechas vermelhas, os fâs se aproximam das barreiras, esperando. Um cerca amarela hessiana, com as pontas gastas e rasgadas, balança no vento, ao lado de um pedaço de areia profunda e faminta. A lá vem eles, uma frota de buggies de dunas humanas, abrindo caminho com dificuldade pelo solo cor-de-camelo. Suas ações demonstram uma espécie de desespero controlado. O ímpeto precisa ser continuamente pra frente, sempre pra frente, nesta bagunça molhada e movediça. Como a espuma de uma louça sendo lavado furiosamente, a areia voa para cima, jogada para todos os lados pelas rodas desembestadas. Ciclistas rodopiam na fossa.


O céu da Bélgica é uma paleta completa—com todos os tons de cinza e vez ou outra um vislumbre do sol—mas sem qualquer sensação de baixo-astral. Dizem que o amor vence tudo, e é isso que o ciclocross faz neste país. Extrai alegria e exuberância de qualquer corpo saudável—como se estivesse tirando farpas de um pé. Os ciclistas empregam todo esforço do mundo para abrir caminho na areia, e seus esforços são recompensados com vivas e palmas estranhamente educadas. Os ciclistas são muito respeitados, reverenciados e adorados aqui, particularmente—não, especialmente—se por acaso nasceram na Bélgica.


Claro, não é tudo areia. Há trechos de trilhas sólidas por entre a grama verde, e até algumas partes asfaltadas perto do final, mas Koksijde é famosa por sua areia. É o que faz deste lugar um templo sagrado do ciclocross. Há longos trechos ladeados por fãs exuberantes, em alguns lugares com três ou quatro fileiras. O que para eles é um espetáculo delicioso, para os ciclistas é uma cena de frenesi urgente. Sobem e descem as dunas, agarrando os guidões e submetendo seus corpos à tortura. Alguns agarram as barreiras ao passarem intempestivamente, enquanto outros viram loucamente de uma linha para outra, abrindo sulcos profundos no terreno pesado e movediço.

Os pulmões sugam o ar gélido em goles gigantes, volta exaustiva após volta exaustiva. As pernas ardem e a sua carga de energia está praticamente zerada. E embora a maior parte deste traçado depende de força bruta nas pernas só pra abrir caminho, a corrida pra cima—o local favorita da torcida do outro lado de uma duna—requer uma estratégia diferente. É mais gracioso. As passadas são como golpes curtas de ação, como se os ciclistas tivessem espigões nas pontas das das sapatilhas, encravando-as nas laterais da duna. Esquerdo, direito, esquerdo, direito, cravando, cravando, cravando—lá vão eles subindo com as bikes nos ombros, até conquistar o topo da duna, para então montar suas bikes de novo, e continuar com toda a força. Assim como aconteceu na corrida das mulheres mais cedo, um ciclista domina a prova inteira e atravessa a linha de chegada. Sozinho.


Depois, na sua entrevista após a corrida, declara que até gosta de pedalar na areia. Obviamente não é Anakin Skywalker—está mais para um Tusken Raider solitário. As pessoas da areia sabem dominá-la, mas têm que ter um pouco do Darth futuro. Porque para dominar a areia, só a Força mesmo. Tem que senti-la fluindo do coração direto para as pernas, que giram numa mistura triunfante de batidas, ardor e paixão. Essas pessoas confiam nesse instinto. Rejeitam suas dúvidas e escolhem as linhas certas, mantendo a velocidade constante, pilotando as suas bikes ao destino.


Adoram a areia.

UCI WORLD CUP #2: WATERLOO

O Corpo de ‘Cross

Este culto não é denominacional. Saltadores, Adeptos dos Top Tube, Tocadores de Sinos, Single-speeders, Importunadores—todos são bem-vindos. Por favor, tome os seus lugares (a não ser que esteja tendo lembranças dos degraus de madeira na pista, então sugerimos que levante e comece a pedalar, caramba. Pedaaaaaaleeee!).


Estamos reunidos aqui hoje para discutir esse troço chamado ciclocross. Agora, muitos de vocês já ouviram este sermão antes, pregado dos púlpitos cobertos de lama da Europa, onde os assentos estão todos cheios e um cheiro de fritas e maionese paira no ar. Mas agora estamos aqui em Waterloo, EUA, para a UCI Telenet World Cup, e nossos irmãos e irmãs da Europa estão dizendo, “Hein? Onde estão os waffles?” Amigos—todos nós adoramos no mesmo altar. E, sim, temos waffles, mas vocês já experimentaram as Fritas com Queijo?

Comecemos. Abram seus hinários para o percurso da World Cup Waterloo, página 12, e enfie seu dedo bem ali, no grid de largada da pista UCl WC de 2.7 Km de hoje. Amada congregação—seus dedos loucos por um autógrafo não começaram a mexer incontrolavelmente ao verem toda a realeza do ciclocross, bem aqui, em solo americano? Listras do arco-íris, listras e estrelas da bandeira americana, listras nacionais de todas as cores—listras e mais listras. Seu coração não estremeceu ao ver aqueles seres masculinos e femininos esculturais surgirem da linha de saída, como cachorros soltos de um carro, após um longo passeio? Magníficos. E como o Deus Benevolente das Barreiras tem sido bom para nós nestes últimos dias. Há um pouco de tudo para todos aqui—novos, velhos, com marchas, sem marchas, e até tubarões, pizzas, e caras usando bandeiras americanas como capa. A tudo isso dizemos: bem-aventurados os BBG.


Os sinos não ressoaram melodiosamente quando os nossos heróis corajosamente fizeram suas primeiras curvas? Bom, alguns melhores que outros, convenhamos, mas assistindo-os correrem com todo o entusiasmo do mundo em direção à floresta de cercas naquele campo aberto e abafado era colírio para os olhos, não era? Claro, observado de uma certa distância, parecia um caos total, com ciclistas indo em direções contrárias, mas tiveram a bênção do Cicloespírito Celestial hoje, e conseguiram galgar os montes com os movimentos macios de uma corrente bem lubrificada. Lindo. É sério, os mecânicos nos pits choraram.


E a gente ficou ali, como trolles ao pé de uma ponte, enquanto estes cavalheiros em duas rodas lançavam suas esperanças e sonhos ao céus, em cima do flyover. Sempre adiante, seguimos seu progresso enquanto prosseguiam pelo percurso. Depois de avançar com tudo em uma reta coberta de grama, entraram na mata sob uma nuvem de poeira fina e dourada. A velocidade era tão impressionante, que ninguém ousou gritar: “Por que estão indo tão devagar?!”, de tanta agonia que havia estampado em seus rostos.

A subida é tão cruel, tão íngreme, tão dura, que machuca. Literalmente. Machuca a todos, até uma fã que, sem-querer, agarrou uma árvore espinhenta para evitar sua queda ladeira abaixo. Tudo bem, não saiu quase nada de sangue. Sabemos que todas estas coisas vêm apenas para nos provar. E a prova de hoje—consegue enfiar as pontas dos dedos na ladeira de um monte sem grampos e subir que nem bode ao topo com uma bike nos ombros e sem fazer cara feia—foi moleza. Muitos ganharam a nota máxima aqui.

[Som de triunfante de uma buzina de plástico]


Continuaram, rodeando e passando embaixo do flyover, sempre mantendo o ritmo frenético. Saltaram algumas barreiras, tranquilos e calmos, e logo estavam voando pelo que poderia ser chamado da “espinha dorsal” do percurso. Viram as criaturas da floresta ali, por meio das árvores, ou enfurnados ao redor de um bar secreto? Com certeza, você já os ouvir, com sua música techno-groove, seus sinos, e toda a sua animação. Talvez você foi um dos que tentaram distrair estes guerreiros com latas de bebidas ou guloseimas a cada volta? Não tem problema—a Sacerdotisa-Mor dos Importunadores ama todos seus filhos, grandes, pequenos ou levemente embriagados. Ela lhe dá os parabéns pelas suas interações íntimas, bem de perto, com estes profissionais soberbos. 

Os fotógrafos dispararam suas máquinas à medida que os ciclistas emergiam das trevas das matas tecnicamente desafiadores, cobertos no pós fino de Wisconsin. Parecia ficar mais grosso a cada volta, não é verdade? Logo, os nossos ídolos estavam lutando para alcançar o líder no Factory Hill. E o que presenciaram ali, meus amigos? Viram a habilidade, a coragem e a determinação que mostraram? Perceberam que talvez a melhor maneira de fazer uma curva fechada à direita é derrapar a roda traseira? À medida que o final se aproximava, atacamos a linha de chegada como se também estivéssemos competindo. Após ver tamanha habilidade, eu lhes pergunto: Não somos muito abençoados?


Respire fundo. Lhes deixo hoje com estas palavras. O ‘cross americano é jovem, espirituoso e louco. Talvez busque o ritmo nos campos, mas o sangue que lhe dá vida vem de vocês. Então tomem estes pulmões, pois são cheios com o som de sua folia. Tomem este cérebro, pois está curioso para enfrentar o desafio. Tomem este coração, pois está cheio de amor pela falta de previsibilidade de ... tudo. Tomem tudo isto, porque isto é o corpo do ‘cross.E. É.

Maravilhoso.